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Entrevista: Alexandre Modonezi


A INTELIGÊNCIA COMO LEGADO


A vida pública é um exercício constante de busca do equilíbrio entre elementos que, à primeira vista, parecem inconciliáveis. a limitação de recursos e a exiguidade do tempo são desafiados pela infinidade das demandas, que surgem com urgência no dia a dia. é justamente nesse contexto que exige inteligência em buscar novos conhecimentos e na sabedoria em compreender para agir de forma mais eficiente, que o filósofo, especialista em ética e mestre em gestão estratégica e econômica de projetos, Alexandre Modonezi, atua à frente da secretaria municipal das subprefeituras. a smsub lida diretamente com a qualidade de vida dos habitantes da maior cidade da américa latina. jovem e ao mesmo tempo bastante experiente na administração municipal, modonezi detalhou para Rodovias&Vias o “modus operandi” que a capacidade gerencial foi capaz de imprimir, com uma assinatura de agilidade e qualidade na pasta sob sua responsabilidade.


R&V: A SMSUB já há algum tempo, está se valendo de uma abordagem mais sistematizada e metodológica de suas demandas, por meio de ferramentas inovadoras. De que maneira este processo se inicia de fato?


ALEXANDRE MODONEZI: Eu estou na secretaria desde a gestão Bruno Covas, em 2017 (Covas foi vice e depois prefeito de SP). Inicialmente, assumi como adjunto e depois como secretário. Já de pronto nós procuramos iniciar alguns diagnósticos. Rapidamente, detectamos que o problema relativo ao pavimento foi encarado por todas as gestões, sem exceção. E um dos pontos essenciais que daí derivava era o da própria cidade não saber qual a qualidade do pavimento nas vias, nem a situação de momento. Foi então que eu comecei a procurar maneiras de acessar melhor essa temática. Entrei em contato com empresas mais inovadoras, dentro e fora do país, e verifi quei que elas não tinham as condições que eu precisava porque trabalhavam com tecnologia em 3D e num sistema que não permitia o processamento de dados de imediato, em tempo real. Imagine o que é trafegar essa informação com imagens para quem tem 17 mil Km de viário, o custo que isso representa? A partir daí, nós nos propusemos a encontrar uma solução que pudesse conciliar a agilidade que queríamos a um preço mais em conta. Equação difi cílima. Como não conseguimos achar, acabamos por nos dirigir à comunidade acadêmica. Fui até a USP, na Poli, num esforço conjunto com a FDTE, que é a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico de Engenharia , criarmos um sistema diferente e que apresentou, entre outras possibilidades, a qualidade de indicar a rugosidade do pavimento, a IRI (International Roughness Index – Índice Internacional de Rugosidade em tradução livre), que é um indicador utilizado pela engenharia para informar as condições de rodagem de uma determinada rua. Pela trepidação do carro poderíamos identifi car os trechos e a qualidade do asfalto de cada via da cidade. Inicialmente, a minha ideia era instalar esse equipamento desenvolvido por eles em caminhões de lixo. Chegamos até a fazer alguns testes, mas como o veículo para muito na execução da coleta, isso acabava dando uma leitura equivocada. Desta constatação, surgiu a ideia de instalar esse equipamento em táxis e veículos por aplicativo. Em contrapartida, o motorista que aceitasse fazer parte do monitoramento, ganhava uma pequena ajuda de custo, algo em torno de R$ 100,00. Um “extra “enquanto levava o passageiro.


E como foi isso?


Abrimos um site para cadastro, fizemos uma triagem entre as pessoas inscritas e que moravam nas diversas regiões da cidade, e, assim começamos a ter mais definida a cobertura do levantamento.


Que tipo de equipamento era esse?


Basicamente uma placa de circuito, instalada no eixo do carro. À medida em que o veículo se move, essa placa “percebe” a trepidação daquela rua. Hoje estamos com cerca de 108 veículos fazendo esse tipo de levantamento ativamente, entre veículos por aplicativo e táxis, o que nos fornece aí um mapeamento do nosso viário total, a um custo bem acessível. Uma vez que tínhamos essas informações chegando, nós concebemos o sistema GAIA para tratá-las. Por meio dele, nós temos condições visuais de identifi car no mapa da cidade qual a condição e qualidade dessas vias que foram percorridas. Foi a partir do GAIA que nós passamos a ter uma primeira matriz de decisão para defi nir prioridades para o nosso programa de recapeamento. Defi nidos esses critérios, nós utilizamos então o PavScan (scanner de pavimento) e fi nalmente o FWD (Falling Weight Defl ectometer – defl ectógrafo), para termos subsídios sufi cientes e assim fazer um projeto da via. Dentro do novo processo de licitação, temos condições de fazer uma confrontação do nosso projeto com o da empresa que venceu para somente depois assinarmos o contrato. E isso tem se refl etido, em termos práticos, na ausência de aditivos nos serviços contratados, exatamente por esse bom preparo dos projetos iniciais.


Então, torna-se necessário contratar empresas que detenham esses equipamentos, como o FWD, ou esse dimensionamento é feito “in house”, com locação ou coisa parecida?


Nós temos um contrato com uma gerenciadora, a Pentágono, que faz o levantamento e colabora nos projetos, por meio de um “banco de horas”, tanto para o PavScan quanto para o FWD. Atualmente, nós passamos esses dois equipamentos em 100% do viário do programa de recapeamento. Antes de depois de executado, para aferição do resultado.


Voltando um pouco ao equipamento que é instalado nos Taxis e veículos por aplicativos, a placa que o secretário mencionou capta apenas a trepidação? Outra coisa, esses dados colhidos são transmitidos “on-line”?


Sim. Nesse caso específico, a transmissão para o GAIA é on-line e apenas dos elementos do IRI. Cerca de 20 veículos têm câmera instalada para captação, fornecendo também subsídios visuais. Na verdade, é preciso entender que o conceito desse projeto todo, é a utilização de um equipamento muito simples e não tão dedicado como câmeras e 3D, por exemplo. Por princípio, teria que ser “low cost”, equipamento corriqueiro, usual, para a ideia funcionar. E estamos utilizando câmeras que aceitam um logaritmo que criamos, para identifi car onde há buracos, por exemplo, bem como outras características presentes na via como sarjetas, sarjetões, tampões, PV’s (poços de vistoria), que inclusive estão sendo nivelados e para os quais estamos fazendo uma licitação pioneira também. Na verdade, esses PV’s eram outro item do qual não tínhamos um conhecimento preciso, nem de sua exata quantidade nem de sua exata localização. Hoje sabemos que existem 70 mil deles. Inclusive, estamos para estrear a “fase 3” desse desenvolvimento, onde nós teremos Inteligência Artifi cial atuando para a identificação de buracos. Outro ponto: estimava-se que tínhamos, por exemplo, cerca de 500 mil “bocas de lobo”. Agora sabemos que são 171 mil. Em suma, agora temos o cadastro dos elementos. Coisa que não tínhamos. E justamente, a partir daí, começamos a pensar a manutenção da cidade, seja com recape ou “tapa-buraco”, com uma matriz de decisão sólida. São Paulo desconhecia suas próprias instalações. Não sabia que tinha 17 mil km de viário, 186 milhões de m² de cobertura, e que para recapear 100% de todo esse patrimônio, é necessário um investimento de R$ 30 bilhões. Considerando que temos uma janela de horário entre 22h30 e 04h30 para poder levar em frente essas operações sem travar o trânsito, podemos estimar que, ainda que esse montante de recursos estivesse disponível, levaria em torno de 10 anos para recapear toda a cidade.


E quanto ao GEOINFRA?


Vamos frisar que até o momento, nós falamos dos nossos instrumentos de recapeamento e zeladoria, todos reunidos sob o guarda-chuva do GAIA. O Geoinfra a que você se refere agora, ataca um outro problema que temos, circunscrito às atividades das concessionárias, de gás, água, energia, etc. É a compatibilização com as redes das concessionárias. É aquele caso em que elas vão lá, abrem o buraco, não fazem a recomposição da via adequadamente e não fazem a aplicação de um bom pavimento. Aos olhos do cidadão, isso é um “problema da prefeitura.


Sim, uma situação recorrente em muitos municípios. Mas como era o procedimento antes do sistema?


A concessionária protocolava a intervenção. Inicialmente era em papel. Tornamos este um processo eletrônico, mas não havia uma consolidação desses dados. Como uma das nossas determinações era a desburocratização, nós criamos essa plataforma. Os processos antes demoravam em média 120 dias. Hoje estamos aí falando de um tempo máximo entre 10 e 20 dias, dependendo da complexidade. E isso incrementou a adesão ao serviço, além da questão de estabelecer de forma mais clara o tipo de multa que poderíamos aplicar em caso de não observância do que foi registrado. Com isso, nós passamos a ter um melhor controle da natureza dos reparos efetuados pelas concessionárias. Passamos a ter uma fi scalização mais efetiva delas. Então, o Geoinfra, é o sistema que controla a infraestrutura da cidade, seja elétrica, gás, ou de água e esgoto. Todas as camadas. Importante ressaltar, que nós temos mais de 130 concessionárias de diversos serviços. E todo o sistema é muito intuitivo, fácil de usar, e oferece campos para que o responsável técnico insira todas as características, junto com um termo de responsabilidade. O Geoinfra compreende todo o ciclo do serviço, pagamento de guias, relatório fotográfi co. Tudo disponibilizado dentro da plataforma, com poucos cliques. Essa compatibilização de subsolo pelo GEOINFRA traz benefícios sob o prisma da segurança porque aponta exatamente a localização das tubulações. É uma mitigação de riscos que, mais do que gerar economia, salva vidas. Aliás, um pouco antes, toquei no assunto de zeladoria. Temos um outro software de gerenciamento, o SGZ (Sistema de Gerenciamento de Zeladoria), que é um dos maiores de “smart cities” do mundo, por conta da dimensão das operações que temos aqui.


Paralelamente a isso, como se dá a fi scalização “in loco”?


Nós contratamos 3 empresas de engenharia para fazer o controle tecnológico. Fazemos uma amostragem de cerca de 50% dessas obras. Assim, nós pudemos estabelecer estatisticamente quais naturezas de trabalho costumavam apresentar mais falhas, em quais contextualizações e em quais subprefeituras. Hoje, nós sabemos que, por exemplo a SABESP possui um índice maior de intervenções, em grande parte, por conta de atendimento às emergências. Isso é um fato que nos apontou outros desdobramentos, como o estabelecimento de um conselho junto à eles, e ao qual eu faço parte, justamente para olharmos com mais atenção a esse assunto. Muitas vezes, o que nós vemos, é que houve o dano ao pavimento, mas por meio dessa ferramenta, podemos investigar e descobrir, por exemplo, que são necessários investimentos por parte da concessionária, para substituição de tubulação, por exemplo.


Não é difícil supor que ao final das contas, isso represente uma economia. De quanto estamos falando?


Estamos falando em cerca de 300 milhões de reais em pavimentação por ano. Mais do que isso: desde a implantação, nós tínhamos um índice de serviço feito por esses atores considerado ruim, de 82%. Desde a implantação do Geoinfra, estamos verificando uma tendência sensível de queda nesse número, devido ao controle maior. Hoje, estamos em 53%. Considerando os transtornos e mesmo a complicação que isso acarreta para uma empresa do tamanho da SABESP, cujo faturamento é de cerca de 70% originado na cidade de São Paulo, é um grande ganho em apenas 2 anos de implementação. Esse ano, inclusive pela primeira vez na história da cidade, a fi scalização foi capaz de aplicar o valor de R$ 80 milhões em multas. De tudo isso, o mais importante é que nós temos uma tecnologia 100% operacional, que detecta um problema e nos oferece as condições de criar um ciclo para resolvêlo. Nós entendemos que a cidade de São Paulo realizou pesados investimentos para usufruir de seu pavimento e queremos honrar esses investimentos. Com toda essa economia de recursos (300 milhões de reais), o que conseguimos é fazer mais com o mesmo recurso. Por sinal, com o ganho que tivemos, conseguimos fazer cerca de 30% a mais de recapeamento com o valor inicialmente disponível.


Se falamos de economia, não podemos deixar de falar da alta dos insumos, como a SMSUB, lidou com essa situação e como foi o comportamento das empresas?


Primeiro, todos os nossos contratos de recape são de 2022. A ata deste ano segue até o fim da gestão. Então, essa questão está equacionada. Até temos reequilíbrio, mas o mais frequente é que ele seja contra o prestador de serviços. Houve deflação em torno de 10%. Mas de forma geral, nós acompanhamos o processo todo. Funciona da seguinte forma: assim que a empresa recebe a notificação da Petrobrás, ela protocola no sistema e nós recebemos essa manifestação. Porém, tem que ocorrer de forma rápida. Tão logo aconteça a situação. Isso também contribui para que não tenhamos problemas financeiros. E claro, esse procedimento, foi estabelecido junto com a procuradoria do Município. Acredito que é melhor para as empresas também, além de garantir a lisura dessa situação.


Nós sabemos que para além do âmbito de tecnologia de softwares, também a SMSUB também pesquisou a questão de insumos...


Sim, nós detectamos uma situação problemática já adentrando essa seara, que era o tipo de material que poderíamos usar para fazer recomposições de via. Então, nós estudamos um material que pudesse nos atender nesse sentido, junto com a professora Liedi Bariani Bernucci, a primeira diretora da Politécnica da USP, altamente qualifi cada em pavimentos e atual presidente do Instituto de Pesquisas Técnicas (IPT) , e junto com os profi ssionais da Comgás. Foi então que nós chegamos ao RAP Espumado (Reclaimed Asphalt Pavement), oriundo do material fresado. Foram feitos diversos testes com brita, concreto, terra, etc. E o RAP Espumado apresentou a menor deformação. Existe um projeto junto com a SABESP, na Vila Leopoldina, onde estamos utilizando uma usina móvel, um centro de reciclagem – praticamente a frio, para processar o material fresado, que já sai na granulometria correta, dentro das normas.


Material nobre, já disponível sem custo...

Sim. Chega a ser mais nobre que a matéria-prima. Mais nobre do que o binder e o BGS. Pode, inclusive, ser colocado em ruas de terra com nível de exigência menor.

Qual índice de aproveitamento desse material?


Em torno aí de 50%, com essa tecnologia de origem alemã. Inclusive, estamos procedendo a uma licitação de uma usina igual a essa para o município, para que tenhamos condições de utilizar os outros 50% restantes, de material não reciclado, em logradouros, galerias e tapa buracos. Por sinal, isto está previsto em ata. Esse é um material que pode ser usado também para a recomposição de sarjetão. A grande ideia por trás dessa usina é justamente reutilizar um material que é de primeira linha. Acreditamos que no futuro, o aproveitamento pode chegar a 100%. E claro, tem a vantagem de ser mais barato.


O secretário tem falado muito em inovações, no emprego de novas tecnologias, temas que frequentemente avançam sobre o que originalmente é usual para uma gestão pública, que possui uma “liturgia” mais ortodoxa. Como tem sido a recepção desses novos elementos e ferramentas por parte dos órgãos de controle?


Eu tenho tido a percepção de que são muito parceiros. Inclusive, podemos inferir que todo esse aparato em diversas ocasiões, veio a atender as recomendações feitas pelo próprio Tribunal de Contas do Município, por exemplo. Havia uma cobrança para que eles pudessem entender qual o critério de rua escolhido para receber o recape. Concorda que essa poderia, sem um tipo de sistematização, acabar sendo uma escolha quase subjetiva?


Certo.


Com todas essas ferramentas tecnológicas , nós passamos a ter critérios totalmente técnicos e objetivos. E isso avançou muito. Hoje é uma plataforma compartilhada com eles, com acesso franqueado. Um processo absolutamente transparente. Tudo isso com todas as camadas de controle que temos, com toda a segurança tecnológica que temos associado ao grau de precisão das intervenções. Não é exagero dizer que nós temos o melhor programa de recape que a cidade já teve. Certamente um dos melhores do Brasil. Nós estamos conseguindo, aos poucos, acabar com um questionamento que existia que era, “como São Paulo tem as melhores rodovias do Brasil, e tem as ruas tão ruins?”. Estamos conseguindo reverter isso.

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